Sunday, March 27, 2011

Egipto

O ritual de escutar os mortos comprime-se com o sol a expor-se à escuridão. Habitar a pedra para fundir a eternidade, escalar para chegar ao ponto de fogo, o céu. Germinar nas margens do Nilo onde a serpente se ergue tornando o reino um amuleto sagrado. A água é a bênção dos Deuses, néctar escrito nos papiros do qual bebo do cálice das minhas mãos. A barba escorre da face deixando a nudez mostrar o desejo da insanidade.
Se provo o veneno torno-me um Demónio amaldiçoado, uma chama que sopra ao contrário das tentações, mergulhado em devaneios de sentir o chicote a estalar, a pingar o sangue de voar colado a timidez. Há um sentimento torturado no odor que se espalha, a energia da deambulação a cativar os pés, agraciar a leveza com o pecado da dor.
Intimamente envolvo o Nilo na pele...

EGIPTO

Tuesday, March 22, 2011

Pompeia - Itália

O terminal da exaustão perturba as cinzas, perfurar o espaço vazio, escava sepulturas. A erupção catapulta um cemitério no desespero da sobrevivência. Não desgosto de vaguear pelas ruínas, ou de entranhar as vivências. Cada fragmento absorvido pinga, cada grito ainda se ouve pelas ruas de pedra, pelos edifícios desmembrados da sua protecção. O silêncio a silenciar-se, a fuga que se torna impossível, o destino a cumprir um soterramento da Alma dum povo. Esta tela pintada com cinzas lubrifica o terror, um tempo antigo, mas o que me deixa perplexo é como se pode esquecer de uma terra por 1600 anos e dos seus habitantes? A humanidade por vezes esquece os seus para não deixar ser amaldiçoado pelo pânico interno.
Ficaram as estátuas a carbonizar o tempo, corpos mumificados que rezam pela salvação, numa mobilidade que rasga a vertigem num descanso interminável.

POMPEIA

Wednesday, March 16, 2011

Florença - Itália

Esboçar uma tela, criar uma estátua, pingar uma ponte, abrir a corrente e deleitar-me na fonte. Quanto a Arte se molda ao Ser resta deixar a vontade mergulhar, ir à procura do instinto, os ramos da sobrevivência. Jamais a lapidação da pessoa se pode militar ao básico, por isso a procura de catapultar a imaginação para o patamar do inconsciente revela no estado afundado o grito para visualizar a loucura e dela esmagar a melodia em suaves toques de subtilezas desejadas. As portas gemem quando as janelas estão congeladas na sua forma derretida. Tudo flui na harmonia de captar a sensibilidade, a busca do pormenor ínfimo a resvalar na corrente aberta ao olhar, ao coração.

FLORENÇA

Friday, March 11, 2011

Córsega (França) - Sardenha (Itália)

Existe sempre um estado em que as Almas Gémeas se encontram e de lá mergulham num sopro infinito para a caverna das sensações. A busca interminável poderia acabar aqui, neste fosso que junta e separa, mas o que faz é brilhar o esplendor de se unirem é de saber que estão perto, de poderem sempre acariciar quando os sentidos deixarem de existir. O choque das águas revolta os demónios das profundezas mas deixa no seu manto uma água cristalina, escavações dedilhadas ao sabor de delicadezas. Quando os olhos saltitam cria-se uma corda que une estas tuas terras, as germina num apocalipse de virtudes, a Santa Teresa e Bonifácio.

CÓRSEGA - SARDENHA

Saturday, March 05, 2011

Saorge - França

Pinto ao fundo as montanhas de neve, nas minhas costas é o recolho das brasas. As casas penetram o céu nas escarpas da encosta, sendo uma donzela a tecer a silhueta num pincel. Estão juntas a roçarem os sentimentos esventrados. Pele nua em tecidos banhados. A serpente moldada toca os brincos coloridos, solta os sinos para uivar para a eternidade dos sons. Os fios de cabelo deslizam como doces pedras no dorso da água, regando o meu seio, deixando o perfume das folhas nos Altares. Quando se escuta o sussurro dos murmúrios o coração bate e resvala para o tricotar da dança privada da natureza, um bater estremecido na delicadeza retardada de enlaçar o fragmento perdido, a pérola de entranhar.

SAORGE

Tuesday, March 01, 2011

Avignon - França

A ponte que acaba no rio, que se afunda no abismo, recolhe as queimaduras do inferno. Ponho as folhas secas que sobram da arca no cabelo, consagro a moldura de um boneco de neve e espeto-lhe a navalha de sangue nos seus pecados. Escore o sangue cheio de veneno para suavizar a sede do poder dos cegos. Cavo uma sepultura de neve, enterro-me num repouso ardente. Permaneço o peregrino de unhas negras que germina no frio da Alma ancorada ao trilho amaldiçoado dos galhos dispersos. Lapidar o corpo perante o destino, banquete estendido para jamais ser extinto pelos homens.

AVIGNON