Tuesday, November 28, 2006

Trovões Silenciosos

O som da chuva escorrega na minha mão
A salpicar orvalhados altares...

Arrepio o cabelo assediando as criaturas
Que provém do jazigo,
Embriagadas nas vestes púrpuras,
A divagar na vigília da Alma...
Deliro a cantar a fúnebre marcha
Oferecendo folhas ao meu corpo,
Nesta escada coberta de chamas.

A carne ferve nos salpicos,
Orgulhosa e contagiante,
Com cascos de trovões
A desfalecer nos lábios...

Monday, November 27, 2006

Esfera

Arranco os palhaços da guilhotina
Aguçando lâminas de sangue

Da música, na nota, no som trocado
Mutila-se o espaço...
Da blasfémia do olhar dá-se
Vida à cor...
Da viagem de serpentinas acorda-se
Para os momentos

Pinto as esferas de fogo
Em livros de crucifixos

Friday, November 24, 2006

Frasco

Andais ao relento
De vaso em vaso...
Rebentais nas cinzas
Mortas de felicidade...
Procurais povoar pétalas
Nos círculos do tempo...
Caminhais com pés descalços
Em imaculados frascos...
Atravessais memórias enfrascadas
A perguntar os ouvidos esquecidos...
Tocais faces escondidas
Nas magias nubladas...

As viagens cobertas de sonhos,
Dos licores seguem perfumados,
A trotear essências internas...

Thursday, November 23, 2006

Fantasias

Dobradas no dorso do céu...
Rasgadas em paisagens regadas...
As lanças nubladas florescem pecaminosas...

Ruínas de arpões encapuçados...
Repelentes olhos, armação de pó...
Garras dum caixão de perfume...

Fantasias, antiguidades, cor de ventos...
Camadas sobre mundos escondidos...
Suavidades em terramotos...

O som olvida a memória
De braço limado no véu...
A leveza fugidia...

Monday, November 20, 2006

Anos 80 - Uma topologia - SERRALVES


Um espelho, um punhal...
Trespassar as fotos com o movimento...
Livros homogéneos em 8 prateleiras...
Tinta levantada a ondular...
Orquídeas de chamas a cavalgarem...
Tijolo cinzento, cordéis de escadas enlaçadas...
Painéis duplos, cortados em janelas abertas, fechadas...
Olhos esbugalham, o pescoço contorna...
Pasteis de cores no terço...
Mijam na cama, mijam da cruz, sepultam-se nos pregos afiados...
Destroços queimados nas chaminés esfumados...volta...
43 contemplam o enforcado...
Tronco cicatrizado, fendas abertas dormitam...

Qual sapato calças?!

Gaiolas floriadas nas linhas de comboio, piano tocados em sons de saxofone, carvão embalado nas carruagens...
Ouvidos, murros, inversão...
Arrasta-se o mundo pelos pés, tocam desertos de informação, devora-se...
Harpa de odores africanos...
Discos de infinitas personalidades, tapadas, árvores despidas, espalhadas...
No muito tempo a melancolia afundou espinhos, circuncidados o dourado, ofuscou o vazio das enchentes de pessoas, empilharam camisas, romperam os sentidos...
Calcam rostos, voam caracterizações de sorrisos de crianças...
“Hello! I’m Jimmie Durham.”
Ossos de jaulas, a dormitar em círculos...
Vestir árvores...

Tuck...Tuck...Atchim!...Tuck...Tuck...

Tens um punhal no coração?!

Pescaram mortos, colheram a inversão...



Foto de Otto Muehl ( Artista que se apresenta em Serralves até 10 de Dezembro)
O corpo como engarrafamento de fissuras...
Exposição até 25 Março de 2007 em Serralves - Porto

Friday, November 17, 2006

Seduz

Na madrugada, o vapor da espuma toca nos pedaços de cordas a beliscar viagens de fogo que aquecem as velas do prazer. Escavar perfumes entre ramos, incendiar aberturas de chamas, resvalar nos labirintos do ardor. A suavidade da delicadeza penetra os mantos de rugas, abrindo espaços de luta, carregando mar fervorosos, esculpindo sombras de cores. Voar em teimosos ruídos que sulcam tortuosos lamentos, feitos e enlaçados em sorrisos. Veias de fendas feridas, o simples saborear dum sopro, o alento desdobrado em trovões, o imaginário da realidade saltitante. Reconhecer os ligamentos num cheiro, no fim do medo. O suor pestaneja numa melodia!

Thursday, November 16, 2006

Gritos

Olhei para trás, e o que vi atrás de mim? As cinzas do meu olhar ou as peugadas da minha sombra? Talvez somente o deslizar duma nota musical. Aquele som de cabelos molhados, longos, firmes, pousados na neblina duma distância limitada pelo pó que se levanta. Bracejo as mãos no ar, virando, contornando a espessura desta intensidade, densidade de grãos, aglomerados de poeira das vivências que devoro na sombra dos cabelos. Não deixo cair o sopro do vento, pego nele com as letras do esquecimento e faço a minha tela de sedimentos soltos. Por isso olho para trás, para dar mordidelas sanguinárias, como se estivesse a degolar minha Alma, e no momento de sugar o vazio preencho-me de nevoeiro. Volto ao período das trevas num cavalo de tinta negra... Isto é o meu mundo, que foi feito para ser devorado pelos suspiros de gritos.

Tuesday, November 14, 2006

Pêndulo

Acolheram no seio a palavra, a comédia dos sons propagou-se no ar e, entretanto no meio da balbúrdia das folhas que se espalham, existe no berço da árvore a forma duma cadeira que as raízes esboçam. Cravado no tempo as cicatrizes da casca enrugam-se, enroscam-se, as letras tornam-se impotentes e no vento que ondula em torno do tronco que penetra os sentidos, as linhas, a água, tudo escorre para o charco. O pêndulo da pintura abstracta não provoca milagres no meu sorriso. “ Como é possível haver caos no vazio?”. Embalo a ribeira dos sonhos com o olhar, deixando amadurecer a pele das pernas dentro da água estagnada. Repouso nestes segundos do dia, em que o Outono canta melodias, em que as arvores deixam cair suas folhas, em que o meu corpo se deixa aninhar ao sabor da água.

Thursday, November 09, 2006

ASSIM FALOU ZARATUSTRA II

"Amar e desaparecer: isso conjuga-se deste toda a eternidade. Vontade de amor: é também estar pronto para morrer. É assim que eu vos falo, cobardes! " 120

"Os maiores acontecimentos não são as nossas horas mais barulhentas, mas os nossos instantes mais silenciosos" 129

"Um leito medíocre aquece-me mais do que um leito rico, porque sou cioso da minha pobreza. E é no Inverno que ela me é mais fiel.
Começo todos os dias por uma maldade, rio-me do Inverno tomando um banho frio: o que faz resmungar o meu severo amigo." 169

ASSIM FALOU ZARATUSTRA - NIETZSCHE

Tuesday, November 07, 2006

ASSIM FALOU ZARATUSTRA I

"...Enfim, meus irmãos, tomai cuidado em não fazerdes mal aos solitários! Como é que um solitário poderia esquecer? Como poderia retribuir o que se lhe fez?
O solitário é como um poço sem fundo. É fácil atirar uma pedra para dentro; mas, se caiu mesmo até ao fundo, quem a conseguirá tirar?
Tomai cuidado em não ofenderdes o solitário! Mas se o fizerdes, então matai-o também!
Assim falava Zaratustra." 65
ASSIM FALOU ZARATUSTRA - NIETZSCHE

Monday, November 06, 2006

Fugitivas

Renunciar à invulnerável tentação,
Ó fugitivas estrangulais a expressão;
Dos túmulos sagrados que estão enterrados!
Não arriscais a vossa destruição,
Somente sentadas esqueceis o coração.

Adornam ardentes os olhos de paixão,
Ó fugitivas duvidais da própria criação;
Dos antigos rituais deixai-os embriagados!
O rio ensanguentado da vossa perdição
Abrirá fendas na justificação.

Ó fugitivas que sois inesgotáveis...
Ó fugitivas da renúncia...
Ó fugitivas, a chuva cai na Lua...

Thursday, November 02, 2006

Últimos Poemas Esquecidos De Outubro III

Vidente

Sacrificaram a intensidade de tragédias
E nas palavras dispersas, rasgaram o vento
No meio de trovões, punindo os dias
Que se perderam num sopro, num alento...

Da noite deflagram fogueiras esqueléticas,
Areias quentes sentidas na moribunda sombra
A enroscar, a contorcer, a esquartejar, esquizofrénicas
Nuvens que se escondem na penumbra.

Os picos singelos vestidos de mancha quebrada
Furam pelo tempo, fardados...Aí ouve-se
Algo....O alisar contraído do vidente...

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Constrangido

Os bordéis são vossas tocas.
Encheis de álcool os excrementos
Em volta de remoinhos,
Engolindo falsos risos.
Do beber trocais
Para do nada fugir,
Para um baú oco com remos ir.
Até que incendiais o fogo,
Humilhais a indiferença
E no Outono tudo vai ver a lareira,
Sem saber onde ela está...
Descalçais a superfície da casca,
Mordendo num toque fugitivo
Ou num abcesso ridículo do olhar...

Fico constrangido dentro da futilidade
Estando felizes, sossego...frio e gelado...

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Ancião Abandonado

Andais a sepultar flores
Em cima das campas que não são vossas;
Acasalais nas fendas das dores
A perdoar humilhações nossas;
Amaldiçoais arder nos vitrais
Por dentro de Almas seladas;
Purificais trocas em poços infernais
Pela memória das badaladas...

Cadáveres gigantes engolirão as cruzes
Do pó empilhado, a seduzir
O ancião abandonado.
Nada restará além da dança das colinas,
Na lembrança esquecida das unhas mutiladas...